quarta-feira, 20 de maio de 2009

20/05/2009 - 08h00

Ciclistas vão pedalar em silêncio para homenagear vítimas do trânsito

Elisa Estronioli
Do UOL Notícias
Em São Paulo

Centenas de ciclistas vão pedalar calados na cidade de São Paulo nesta quarta-feira para lembrar os mortos e feridos por transportes motorizados nas vias públicas. É o chamado "Pedal do Silêncio", que também ocorre em Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Vitória, além de mais de 200 cidades em outros 16 países.Em São Paulo, a manifestação vai ter uma estrutura parecida com a da Bicicletada (que ocorre toda última sexta-feira do mês): concentração às 18h na praça do Ciclista (na avenida Paulista com a rua da Consolação) e pedalada a partir das 20h, com trajeto ainda a definir. Cartazes de divulgação que circulam na internet pedem para os participantes irem com roupa branca com uma tarja preta, em homenagem aos mortos, e uma vermelha, em homenagem aos feridos.
Mais sobre manifestações de ciclistas
Durante a concentração, alguns participantes planejam estar em outro ponto da Paulista, fazendo a manutenção de uma bicicleta toda pintada de branco, que marca o local onde a ciclista Márcia Prado morreu.Márcia foi atropelada por um ônibus no sentido Consolação, no dia 14 de janeiro deste ano. A "ghost bike" (bicicleta-fantasma) no local funciona como uma espécie de memorial - projeto que surgiu nos EUA e se tornou comum entre cicloativistas de vários países, ao misturar homenagem e protesto."A Márcia era uma das mais ativas da Bicicletada, usava capacete certinho, se cuidava, e mesmo assim aconteceu, por imprudência do motorista do ônibus", diz o ciclista Leandro Valverdes.Desrespeito dos motoristasA Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) registra que, em 2008, morreram 69 ciclistas em acidentes de trânsito. Mesmo diante dos números, de dezembro de 2007 a novembro de 2008, a CET aplicou apenas uma multa por desrespeito a ciclista em toda a cidade de São Paulo, segundo matéria do jornal O Estado de S.Paulo.

Dicas para pedalar na cidade com segurança
1. Seja educado
2. Obedeça às leis de trânsito
3. Sempre sinalize suas intenções
4. Use roupas claras ou chamativas
5. Mantenha os refletores limpos
6. Evite ruas e avenidas movimentadas
7. Mantenha-se à direita e na mão de direção
8. Não faça zig-zag: procure pedalar mantendo uma linha reta
9. Aprenda a ouvir o trânsito
Fonte: Escola de Bicicleta

"O perigo de andar de bicicleta está muito mais na falta de respeito que o ciclista recebe do que qualquer outra coisa, tanto dos motoristas quanto das autoridades. As pessoas te veem como um obstáculo no trânsito", diz o ciclista Vítor Pinheiro. "Além disso, as autoridades não fazem nada. Não tem sinalização que legitime o uso da bicicleta, os motoristas, profissionais ou não, não recebem educação e não existe punição, porque a CET não multa". De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, o motorista que "deixar de guardar a distância lateral de 1,50 metro ao passar/ultrapassar bicicleta" deve ser multado em R$ 85. "Essa distância existe porque bicicleta não é que nem carro, que tem uma lataria te protegendo. Você pode cair por qualquer coisa, até pelo deslocamento do ar, e pode morrer."Assim como Márcia, recentemente Vítor foi vítima da imprudência de um motorista de ônibus. Ele conta que, no último dia 7, passava por uma rua estreita quando um coletivo, que não conseguiu desviar, bateu nele. Vítor caiu para o lado, e o ônibus passou por cima de sua bicicleta. Ele diz que ainda sente dores no ombro devido à queda e por isso não sabe se vai pedalar esta noite: "Vou tentar, não sei se vou conseguir. Mas pretendo aparecer lá mesmo se for a pé, porque, afinal, eu fui uma das vítimas de atropelamento".Ciclistas não defendem segregaçãoApesar dos riscos que envolve andar de bicicleta nas ruas, muitos ciclistas defendem que ciclovias não podem ser a única solução. "Onde fui atropelado é uma rua de bairro, com fluxo pequeno, não tem sentido ter ciclovia. Não dá para colocar ciclovia na cidade inteira", diz Vítor. "Eu sempre incentivo as pessoas a começarem a usar a bicicleta como meio de transporte, mas depois fico pensando: 'se acontece alguma coisa vou me sentir culpado'", diz Leandro Valverdes. "Mas continuo incentivando porque quanto mais gente pedalar, mais seguro será para todo mundo."

terça-feira, 12 de maio de 2009

12/05/2009

Comunidade alemã decide ter uma vida sem automóveis e vira referência

The New York Times
Elisabeth Rosenthal
Em Vauban (Alemanha)

Os moradores desta comunidade afluente são pioneiros suburbanos. Eles superaram a maioria das mães que levam os filhos para jogar futebol ou executivos que fazem todos os dias o trajeto dos subúrbios até o centro da cidade: essas pessoas abriram mão dos seus carros.

Estacionamentos de rua, driveways (pequena estrada que vai geralmente da entrada da garagem até a rua) e garagens são, em geral, proibidas neste novo distrito experimental na periferia de Freiburg, perto da fronteira com a Suíça.

  • Martin Specht/The New York Times

    Mulher caminha com sua criança por rua exclusiva para trânsito de pessoas e bicicletas em Vauban

  • Martin Specht/The New York Times

    Outra mãe caminha com seu filho em bicicleta pelas tranquilas ruas de um bairro de Vauban

Nas ruas de Vauban os carros estão totalmente ausentes - com exceção da rua principal, por onde passa o bonde para o centro de Freiburg, e de umas poucas ruas na zona limítrofe da comunidade. A propriedade de automóveis é permitida, mas só há dois locais para estacionamento - grandes garagens localizadas no limite da comunidade, onde os proprietários compram uma vaga, por US$ 40 mil, juntamente com uma casa.

Como resultado, 70% das famílias de Vauban não têm automóveis, e 57% venderam o carro para se mudarem para cá.

"Quando eu tinha carro, estava sempre tensa. Desta forma sou muito mais feliz", afirma Heidrun Walter, profissional de mídia e mãe de dois filhos, enquanto caminha pelas ruas cercadas de verde, onde o ruído das bicicletas e a conversa das crianças que passeiam abafam o barulho ocasional de um motor distante.

Vauban, que foi concluída em 2006, é um exemplo de uma tendência crescente na Europa, nos Estados Unidos e em outros locais. Trata-se da separação entre a vida suburbana e a utilização de automóveis, como parte integrante de um movimento chamado de "planejamento inteligente".

Os automóveis são um fator de coesão dos subúrbios, onde as famílias de classe média de Chicago a Xangai costumam construir as suas residências. E, isso, segundo os especialistas, consiste em um grande obstáculo para os atuais esforços no sentido de reduzir drasticamente as emissões de gases causadores do efeito estufa que saem pelos canos de descarga, com o objetivo de reduzir o aquecimento global. Os carros de passageiros são responsáveis por 12% das emissões de gases causadores do efeito estufa na Europa - uma proporção que só está aumentando, segundo a Agência Ambiental Europeia -, e por até 50% em algumas áreas dos Estados Unidos.

Embora nas duas últimas décadas tenha havido tentativas de tornar as cidades mais densas e mais propícias para as caminhadas, os planejadores urbanos estão levando agora esse conceito para os subúrbios e concentrando-se especificamente em benefícios ambientais como a redução de emissões. Vauban, que tem 5,500 habitantes e uma área aproximada de 2,6 quilômetros quadrados, pode ser a experiência mais avançada em vida suburbana com baixa utilização de automóveis. Mas os seus preceitos básicos estão sendo adotados em todo o mundo em tentativas de tornar os subúrbios mais compactos e mais acessíveis ao transporte público, com menos espaço para estacionamento. Segundo essa nova abordagem, os estabelecimentos comerciais situam-se ao longo de calçadões, ou em uma rua principal, e não em shopping centers à beira de uma auto-estrada distante.

"Todo o nosso desenvolvimento desde a Segunda Guerra Mundial esteve concentrado no automóvel, e isso terá que mudar", afirma David Goldberg, funcionário da Transportation for America, uma coalizão de centenas de grupos nos Estados Unidos - incluindo instituições ambientais, prefeituras e a Associação Americana de Aposentados - que estão promovendo novas comunidades que sejam menos dependentes dos carros. Goldberg acrescenta: "A quantidade de tempo que se passa ao volante de um carro é tão importante quanto possuir um automóvel híbrido".

Levittown e Scarsdale, subúrbios de Nova York com casas de áreas enormes e garagens privadas, eram os bairros dos sonhos na década de 1950, e ainda atraem muita gente. Mas alguns novos subúrbios podem muito bem lembrar mais Vauban, não só nos países desenvolvidos, mas também no mundo subdesenvolvido, onde as emissões da frota cada vez maior de carros particulares da crescente classe média estão sufocando as cidades.

Nos Estados Unidos, a Agência de Proteção Ambiental está promovendo as "comunidades com número reduzido de carros", e os legisladores estão começando a agir, apesar de que com cautela. Muitos especialistas acreditam que o transporte público que atende aos subúrbios desempenhará um papel bem maior em uma nova lei federal de transporte aprovada neste ano, afirma Goldberg. Nas legislações anteriores, 80% das apropriações destinavam-se, por lei, a auto-estradas, e apenas 20% a outras formas de transporte.

Na Califórnia, a Associação de Planejamento da Área de Hayward está desenvolvendo uma comunidade semelhante a Vauban chamada Quarry Village, nos arredores de Oakland. Os seus moradores podem ter acesso sem carro ao sistema de trânsito rápido da Área da Baía e ao campus da Universidade Estadual da Califórnia em Hayward.

  • Martin Specht/The New York Times

    Placas como esta foram instaladas pelas ruas do distrito de Vabuan, nos arredores de Freiburg

Sherman Lewis, professor emérito da universidade e líder da associação, diz que "mal pode esperar para mudar-se" para a comunidade, e espera que Quarry Village possibilite que ele venda um dos dois automóveis da família e, quem sabe, até mesmo os dois. Mas o atual sistema ainda conspira contra o projeto, diz ele, observando que os bancos imobiliários temem uma queda do valor de revenda de casas de meio milhão de dólar que não têm lugar para carros. Além disso, a maior parte das leis de zoneamento urbano dos Estados Unidos ainda exige duas vagas para automóveis por unidade residencial. Quarry Village obteve uma isenção dessa exigência junto às autoridades de Hayward.

Além disso, geralmente não é fácil convencer as pessoas a não terem carros.

"Nos Estados Unidos as pessoas são incrivelmente desconfiadas em relação a qualquer ideia de não possuir carros, ou mesmo de ter menos veículos", diz David Ceaser, co-fundador da CarFree City USA, que afirma que nenhum projeto suburbano do tamanho de Vauban banindo os automóveis teve sucesso nos Estados Unidos.

Na Europa, alguns governos estão pensando em escala nacional. Em 2000, o Reino Unido deu início a uma iniciativa ampla no sentido de reformar o planejamento urbano, desencorajando o uso de carros ao exigir que os novos projetos habitacionais fossem acessíveis por transporte público.

"Os módulos urbanos relativos a empregos, compras, lazer e serviços não devem ser projetados e localizados sob a premissa de que o automóvel representará a única forma realista de acesso para a grande maioria das pessoas", afirma o PPG 13, o documento revolucionário de planejamento, lançado pelo governo britânico em 2001. Dezenas de shopping centers, restaurantes de fast-food e complexos residenciais tiveram a licença recusada com base na nova regulamentação britânica.

Na Alemanha, um país que é a pátria da Mercedes-Benz e da Autobahn, a vida em um local onde a presença do automóvel é reduzida, como Vauban, tem o seu próprio clima diferente. A área é longa e relativamente estreita, de forma que o bonde que segue para Freiburg fica a uma distância relativamente curta a pé a partir de todas as casas. Ao contrário do que ocorre em um subúrbio típico, aqui as lojas, restaurantes, bancos e escolas estão mais espalhadas entre as casas. A maioria dos moradores, como Walter, possui carrinhos que são rebocados pelas bicicletas para fazer compras ou levar as crianças para brincar com os amigos.

Para deslocamentos a lojas como a Ikea ou às colinas de esquiação, as famílias compram carros juntas ou usam automóveis arrendados comunitariamente pelo clube de compartilhamento de automóveis de Vauban.

Walter já morou - com carro privado - em Freiburg e nos Estados Unidos.

"Se você tiver um carro, a tendência é usá-lo", diz ela. "Algumas pessoas mudam-se para cá, mas vão embora logo - elas sentem saudade do carro estacionado em frente à porta".

Vauban, local em que se situava uma base do exército nazista, ficou ocupada pelo exército francês do final da Segunda Guerra Mundial até a reunificação da Alemanha, duas décadas atrás. Como foi projetada para ser uma base militar, a sua planta nunca previu o uso de carros privados: as "ruas" eram passagens estreitas entre as instalações militares.

Os prédios originais foram demolidos há muito tempo. As elegantes casas enfileiradas que os substituíram são construções de quatro ou cinco andares, projetados de forma a reduzir a perda de calor e maximizar a eficiência energética. Elas possuem madeiras exóticas e varandas elaboradas; casas isoladas das outras são proibidas.

Por temperamento, as pessoas que compram casas em Vauban tendem as ser "porquinhos da índia verdes" - de fato, mais da metade dos moradores vota no Partido Verde alemão. Mesmo assim, muitos afirmam que o que os faz morar aqui é a qualidade de vida.

Henk Schulz, um cientista que em uma tarde do mês passado observava os três filhos pequenos caminhando por Vauban, lembra-se com entusiasmo da primeira vez que comprou um carro. Agora, ele diz que está feliz por criar os filhos longe dos automóveis; ele não tem que se preocupar muito com a segurança deles nas ruas.

Nos últimos anos, Vauban tonou-se um nicho comunitário bem conhecido, apesar de não ter gerado muitas imitações na Alemanha. Mas não se sabe se este conceito funcionará na Califórnia.

Mais de cem candidatos se inscreveram para comprar uma casa na Quarry Village, e Lewis ainda está procurando um investimento de US$ 2 milhões para dar início ao projeto.

Mas, caso a ideia não dê certo, a sua proposta alternativa é construir no mesmo local um condomínio no qual o uso do automóvel seja totalmente liberado. Ele se chamaria Village d'Italia.


Tradução: UOL