segunda-feira, 3 de maio de 2010

Uma cidade mais segura no futuro?
Sylvia Cavalcante

É difícil fazer previsões, aliás, não é possível. O problema da violência/segurança não é novo em nossas cidades: parece estar cada vez mais presente e constituir uma preocupação para todos os que nelas habitam. Fatos, como os ocorridos recentemente em nossa cidade: a menina Alanis raptada dentro da igreja e morta, o servidor do DER morto na Raul Barbosa e a empresária Marcela Montenegro morta depois de uma tentativa de assalto não são raros e a mídia os explora, de forma que a sensação de insegurança que todos já sentimos se intensifica.
Entretanto, também é fato que Fortaleza é uma cidade muito peculiar. Uma cidade que não é vivenciada. A não ser a orla marítima. Há muito as pessoas, principalmente nos bairros de classe média e alta, abandonaram os espaços públicos e estão trancadas em suas casas, apartamentos ou condomínios. Os espaços públicos tornaram-se meros corredores de passagem, principalmente para carros, que são verdadeiras cápsulas fechadas com dispositivos de segurança, cujo objetivo principal é isolar os passageiros e protegê-los de qualquer contato com o ambiente.
Como as pessoas não usam os espaços públicos, esses geralmente são mal cuidados. As calçadas e ruas são sujas e cheias de buracos, as praças abandonadas e entregues, muitas vezes, à ação de vândalos. Portanto, são espaços nada convidativos. O poder público os abandona à própria sorte, tornam-se no man-s land, em parte também porque a população não reivindica. E não reivindica por não se achar implicada: é público, eu não tenho nada com isso; é problema do Estado, do governo, eu não posso dar jeito. Comportamento bem típico do brasileiro, para quem o que é público é sempre visto como negativo por sua impessoalidade. Assim, os gestores vão fazendo o que querem, sem planejamento, muitas vezes descumprindo a legislação em prol de interesses particulares.
Caso os espaços coletivos fossem mais usados e apropriados, naturalmente um novo ciclo se estabeleceria: pessoas nas ruas motivariam outras a frequentarem estes espaços que, em consequência, tenderiam a serem cuidados, pois nos implicaríamos mais e reclamaríamos por melhoras. E certamente a segurança seria maior, pois o ``olho do outro``, do outro que é igual a mim e não obrigatoriamente o olho de um policial, muito frequentemente leva aqueles que pretendam cometer algum tipo de infração a abdicarem de tal decisão.
Fortaleza, sendo uma cidade compartimentada, percebe-se uma diferença no uso que as pessoas fazem dos espaços conforme os bairros. Em nossa cidade, geralmente, as classes sociais não se misturam e essa separação é claramente representada no espaço. Nos bairros populares, diferentemente daqueles onde mora a elite, que está concentrada quase que totalmente na zona leste e sudeste da cidade, as pessoas se deslocam mais a pé, sentam-se e brincam nas calçadas, enfim, há mais vida nas ruas. Mas nem por isso os espaços públicos nesses bairros são cuidados e menos perigosos. São, muitas vezes, mais degradados, porque essas classes têm menos poder de barganha, de pressão sobre os gestores.
Portanto, o setor público vai atender e privilegiar os mais favorecidos, que têm mais condições de serem ouvidos. E incrível é perceber como cuidado gera cuidado e a degradação gera displicência, desleixo ou mesmo destruição. São muitas as experiências que revelam este ciclo.
Entretanto é importante frisar que a violência não é apenas uma questão espacial; ela se revela no espaço, permitindo-nos falar de uma “topologia da violência”, mas, antes de tudo, suas causas, não se encontram aí. As condições ambientais influenciam, mas não determinam. Na verdade, a desigualdade social, a falta de perspectiva e o estímulo ao consumo, características próprias da sociedade contemporânea propagadas pelo capitalismo, estão na origem dos problemas que hoje vivenciamos.
Penso que enquanto não houver um investimento sério em educação e uma política que propicie perspectiva de melhores condições de vida e educação, principalmente para os jovens, não será possível pensar em uma cidade menos violenta. Reflitamos: que perspectivas têm os jovens das classes populares? A que condições de vida estão eles submetidos, aglomerados em espaços mínimos, tendo, na maioria das vezes, os programas de televisão como única diversão possível? Programas que, ao tempo em que distraem, acirram frustrações na medida em que veiculam apelos publicitários com os quais não têm possibilidade de arcar?
Penso que espaços sócio-culturais para estes jovens, onde possam se ocupar, se qualificar e se sentirem cuidados, são necessários. Uma política de atenção não só para a juventude, mas também para a maioria de nossa população que vive em condições subumanas, poderia estimular seus potenciais e sinalizar esperança em novas perspectivas de vida às quais tem direito.
E, claro, investimento concreto nos espaços urbanos, a partir da identificação dos principais problemas da cidade, visando propiciar espaços de sociabilidade ou propiciar essa característica aos espaços públicos existentes, de forma que os diversos grupos sociais pudessem conviver sem medo e apreciar essa convivência. Como defendem muitos urbanistas, é a diversidade e as possibilidades de troca e encontro com o outro que é diferente que constituem a riqueza da vida urbana.
Gostaríamos ainda de citar duas ações mais gerais, dentre as muitas possíveis, já que não podemos nos alongar mais. Duas ações que, de modo particular, têm relação com as dificuldades próprias de nossa cidade. Um refere-se a uma política de restrição do transporte individual, que pode e deve ser empreendida através de medidas já conhecidas e empregadas em outras cidades, visando propiciar principalmente investimentos em transporte coletivo de qualidade. A outra, que não está desarticulada da primeira, seria a arborização massiva da cidade, visando criar condições propícias à utilização dos espaços abertos, já que o clima de nossa região é um empecilho ao uso em determinados períodos do dia. É importante que reflitamos até que ponto o fator clima passa despercebido, levando-nos a apontar a violência como única causa para a não utilização dos espaços públicos. Outras cidades brasileiras, como Rio de Janeiro e São Paulo, onde os índices de violências não são tão diferentes dos nossos, mas cujo clima é mais ameno, são muito mais apropriadas por seus habitantes.
E por fim, penso que seja importante, conhecer soluções adotadas por outras cidades, com o mesmo tipo de problema e que obtiveram resultado positivo, como por exemplo, Nova York. Claro que cada ação que compõe tais políticas deve ser analisada à luz da cultura local, para que sejam avaliados os pontos positivos e negativos de sua aplicação no caso específico de nossa cidade. Entretanto, tais políticas podem constituir uma fonte de soluções ou de provocações para pensar o nosso caso específico.

EMAIS

Avanço da criminalidade
Nos últimos três anos, 2.216 homicídios foram cometidos em Fortaleza, segundo o Laboratório de Direitos Humanos e Cidadania da Universidade Estadual do Ceará (Labvida)

Ano 2008
Número de homicídios: 832.
Bairros mais violentos:
- Jangurussu (63 homicídios)
- Messejana (63 homicídios)
- Bom Jardim (39 homicídios)

Ano 2009
Número de homicídios: 540
Bairros mais violentos
- Jangurussu (47 homicídios)
- Bom Jardim (38 homicídios)
- Messejana (36 homicídios)

FONTE: http://opovo.uol.com.br/opovo/especiais/revistafortaleza284anos

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