segunda-feira, 13 de abril de 2009

Relato de uma Caminhada

Olha a todos,

O LERHA realizou no dia 14.04.08 uma caminhada pelo campus da UNIFOR.
Para relembrarmos esta deliciosa caminhada segue abaixo o belo relato da Profa. Heleni Barreira, profa. do curso de psicologia e membro do LERHA.
Aproveitamos para convidar a todos para uma outra caminhada que acontecerá no sábado, dia 25.04.09.
Grande e forte abraço!



Caminhada pelo CampusHeleni Barreira


Primeiro Ato – Em torno da hora combinada no dia anterior, as pessoas começaram a chegar ao hall da biblioteca, de onde sairiam em caminhada por toda extensão do campus universitário. Estavam todos vestidos de maneira confortável: bermudas, camisetas, bonés e tênis, bem diferentes do modo usual, nada de pastas, livros ou notebooks. Pareciam vislumbrar que a experiência naquele dia, naquela manhã, seria de uma outra ordem, ou seja, diferente do dia-a-dia na universidade, marcado pela correria contra o relógio, deslocamentos rápidos de um bloco para outro, de uma aula para outra, um jeito frenético de viver ou de sobreviver, apesar do cenário exuberante constituído de belas árvores de diversas espécies e dos lindos jardins onde despontam flores e sobrevoam pássaros. Tudo isso e muito mais nos aguardavam e nos saudavam, como a convidarmos a nos dar conta do encantamento advindo de tanta beleza a nosso inteiro dispor. Disposição e expectativa pareciam tomar conta dos participantes daquela atividade, em sua maioria alunos e professores da Unifor e também de outros lugares e instituições.
Segundo Ato – A caminhada se inicia pelo trajeto já bem conhecido de atravessar ou contornar a praça da biblioteca, espaço amplo que demarca o centro de toda a área da universidade. No entanto, o trivial cede lugar ao inusitado, pois a atividade começa com uma espécie de ritual de reverência ao baobá, árvore de origem africana que vive centenas de anos e que atinge dimensões extraordinárias, tanto quanto ao diâmetro do caule como à frondosidade dos galhos e raízes. Todos abraçaram a referida árvore respeitosamente, como a desejar sorver e trazer para dentro de si um pouco de energia vegetal. O boabá africano plantado no centro daquele campus, como uma espécie de totem, a lembrar aos que por ali transitam a relevância do respeito e da preservação da natureza e a todo mistério ecológico de um sistema de biodiversidade do qual somos parte integrante e inexorável.
Terceiro Ato – Prosseguimos rumo ao horto do campus, viveiro de plantas, lugar onde brotam sementes, lugar mágico onde é possível ver de perto o milagre da vida acontecer. A presença de árvores enormes como o jacarandá a disponibilizar sua sombra às pequenas mudas que brotam obedecendo ao ciclo natural de germinar, crescer, florescer, frutificar e deixar suas sementes que garantam a continuidade da espécie. A estufa que abriga pequenas mudas que necessitam de cuidados especiais para crescerem, quantidade de água suficiente, de luz e de nutrientes de solo adequados que garantam o seu pleno desenvolvimento. Uma conversa com seu Manuel, jardineiro-mor que possui um conhecimento invejável a respeito de sua arte e de sua práxis, consistiu sem dúvida num momento ímpar dessa atividade. Aquele homem simples e sem instrução formal, mas um expert quanto ao seu ofício, muito tinha a nos dizer e a nos mostrar. Nesse momento ele era o professor, o grande mestre e nós alunos inexperientes, mas atentos e motivados a aprender.
Quarto Ato – A descoberta por nós da HXT planta nativa da Austrália, de porte alto, sem presença de folhas convencionais, ao invés de folha apresenta uma espécie de filetes delgados que caem e que o nosso solo não possui os nutrientes apropriados para proceder a sua biodegradação, o que nos fez refletir sobre as conseqüências desse fenômeno. São árvores bonitas e exóticas que enfeitam o cenário do campus. A HXT deixa o solo repleto dessas pequenas e finas hastes que despreendem de seus galhos , formando um denso tapete marrom que parece impedir a infiltração da água, pois impermeabiliza o solo. Nesse momento os diálogos versaram sobre o que é natural e o que foi construído no espaço circunscrito ao campus universitário da Unifor. Toda aquela magnífica paisagem é fruto da ação do homem... Essa constatação causou particularmente em mim um sentimento ambíguo e contraditório. Na relação que tento estabelecer com os lugares sou mais intensamente tocada por paisagens naturais, ou seja, que não foram alvo da ação humana. Confesso que esse momento da travessia me causou um pouco de incômodo ou mesmo de mal-estar. Ao me dar conta das possibilidades da ação humana em relação ao ambiente, deparei-me com a contradição, nossa principal característica, que traduz toda uma dialética. Somos capazes de construir e de destruir com a mesma desenvoltura e competência. Foi a hora de ver nossa própria cara. Hora de nos olharmos no espelho e de dar de cara com nossa sublime e vil humanidade...
Quinto Ato – Todo o mal-estar se dissipou ao chegarmos à um belo cajueiro, árvore tão nossa conhecida, tão acolhedora, tão facilitadora de trazer à tona registros mnemônicos de tempos felizes da infância, tempo em que nossa relação com os lugares, com o ambiente, com tudo a nossa volta acontecia fácil e naturalmente, tempo em que nós e o ambiente em nosso entorno deliciosamente se confundiam e se fundiam numa profusão de cores, formas, sons, odores, gostos, pensamentos, imagens, sentimentos e experiências que nos fizeram assim... Nem melhor nem pior que ninguém, mas seguramente diferentes, sujeitos de nossa própria existência e da nossa própria história, conscientes que somos de nosso pertencimento ao cosmos. Nesse momento da atividade uma chuva leve cai mansamente e nos lava o corpo e a alma.Todos deitam no chão o que me lembrou Michel Tournier e seus relatos apresentados no seu belíssimo livro Robson Crusoé e os limbos do Pacífico...Ainda nesse ato surgem crianças da escolhinha ali próxima ao campus e se misturam ao nosso grupo. Sorrisos e vozes infantis também se mesclam aos nossos risos, às nossas falas e aos nossos gritos contidos num magnífico e inesperado ritual de partilha...
Sexto Ato – Prosseguimos e nos deparamos com o galpão destinado aos processos de reciclagens. Nesse relato despretencioso e livre, sinto-me a vontade para dizer que me veio à mente trechos da letra da música wave de Nelsom Mota e gravada por Lulu Santos: “nada do foi será de novo do jeito que já foi um dia, tudo passa, tudo sempre passará, a vida vem em ondas como o mar num indo e vindo infinito... Lembro-me de tantos mestres que povoam o meu imaginário e agora é a vez de Nietzsche que lembra que somos seres em constante devir. Certamente aquela vivência agregou elementos a minha construção de sujeito. E uma frase de Clarisse Lispector se fez minha e a repeti silenciosamente: “custei um pouco a compreender o que estava vendo, de tão inesperado e sutil que era”.
Sétimo Ato – A visão da lagoa foi algo interessante no sentido que sabíamos que ela existia, porém nunca a tínhamos visto. Isso nos remeteu às idéias filosóficas pré-socráticas tais como: as coisas existem porque as vemos ou as vemos por que existem? A lagoa do campus realmente existe e eu a vejo agora bem diferente de como a imaginei, sem nenhum charme, simplesmente uma lagoa esquecida e pouco apreciada. Nas proximidades da lagoa podemos ver a casa da primeira família de moradores do terreno original, está lá muito antes da idéia de construir uma universidade naquele local. Os verdadeiros detentores da história daquele lugar.
Oitavo Ato – O sol de pra lá de meio dia, já nos castigava apesar de certos cuidados adotados como bonés e protetor solar. Hora de dar uma parada e eis que surge providencialmente na hora mais difícil de calor e sede, um rico suprimento de picolés de morango e tangerina . A sensação nos lembrou as miragens e os oásis dos desertos... Mas era real, coisas da Sylvia...
Nono Ato – Grande roda. Todos os participantes sentados em círculo sob a sombra das árvores. Momento de partilhar o significado daquela experiência. Relatos cheios de emoção e legitimidade. Eu estava lá. Ainda bem que eu vivi essa experiência no campus. Nunca mais fui a mesma ali dentro. Sou muito melhor agora que me apropriei daquele lugar, de seus recantos mais insólitos. Aquele lugar agora também é meu. O campus da minha universidade.

2 comentários:

Ana Grasieli disse...

Nooosa professora que relato lindo!!! Fiquei com muita vontade de participar... Concerteza estarei lá dia 25/04.

Unknown disse...

Professoras, tudo bem? Que iniciativa FANTÁSTICA! PARABÉNS A TODOS!
Forte abraço, Fernanda Rocha